Na temporada 2015/2016 de montanhismo nos Andes, eu estava na transição entre o trabalho antigo (como meteorologista operacional no INPE) e a estruturação da minha empresa, a Mantiqueira Expedições, por isso decidi não ir para alta montanha.

No inverno de 2016 guiei no Agulhas Negras e Prateleiras – Parque Nacional do Itatiaia (PNI) um montanhista chileno chamado Juan, que me foi apresentado por uma cliente brasileira, a Ana. Através desse contato, estabelecemos uma relação de companheirismo, o que facilitou minhas idas ao Chile por conta de hospedagem, transporte, alimentação e logística como um todo. Menos gastos!

Já na ocasião do PNI acertamos tudo para tentar o Cerro Las Tórtolas no início da temporada 2016/2017. O Tórtolas é uma montanha de 6160m localizada na divisa entre Chile (Região de Coquimbo) e Argentina (Província de San Juan) e provavelmente seja um dos 6k mais acessíveis dos Andes chileno/argentino: nenhuma dificuldade técnica, chega-se de carro até o acampamento base a 3900m, e ainda há um belo refúgio (Gabriela Mistral) a 5186m, de onde se faz o ataque ao cume.

Cheguei no Chile dia 20/10/16 e, junto com Juan e Ana, aclimatamos no Cerro San Gabriel (3120m) e depois no Leonera (4954m), antes de partir para o Tórtolas, o que aconteceu no dia 29/10/16. Juntaram-se a nós Jonás (Argentina), Estefania e Daniela (Chile).

A previsão de tempo não era ideal e ao longo da semana indicava temperaturas muito baixas, um pouco de nuvens e de neve e muito vento. Estávamos todos prontos para partir, decidimos tentar.

Chegamos no acampamento base de carro e sem nenhuma dificuldade. Armamos as barracas, comemos e logo fomos dormir, a noite foi fria e meu sono picotado. O dia seguinte seria pesado, pois subiríamos com todo acampamento para o Abrigo Gabriela Mistral, um ganho de altitude de mais de 1250m.

Acordamos cedo, tomamos um rápido café, desmontamos acampamento e imprimimos um ritmo forte de caminhada afim de “ganhar” o abrigo, já que tínhamos companhia de um grupo de 4 chilenos no acampamento base. Nosso grupo foi o primeiro a chegar no abrigo, mas nem havia necessidade de tanta pressa, já que todos (incluindo o outro grupo de chilenos) ficamos dentro do abrigo, que é super amplo.

Senti os efeitos da altitude, além do cansaço, um pouco de dor de cabeça e enjoo. Fez muito frio à noite, comi e dormi mal. A previsão de tempo acertara, e ventos fortes assolaram o Abrigo Gabriela Mistral naquela madrugada.

Acordamos por volta das 4h da madrugada, era o dia do ataque ao cume, o meu primeiro 6k! Frio, vento e algumas nuvens. Jonás e Daniela estavam indispostos e desistiram do objetivo. Outra parte da nossa equipe exitou… Eu não! Estava lá, a 5200m, e iria tentar! Partimos então eu, Estefania, Juan e Ana por volta das 4:30h. Imediatamente sentimos que o tempo (meteorológico) não nos facilitaria. Naquele dia o sol não “deu as caras”.

Um pouco de neve no primeiro trecho depois de sair do Abrigo. Coloca crampón, tira crampón, cruza penitentes, até chegarmos na base de um longo “acarreo” que dá acesso à um “portezuelo”, já na cota dos 6k, de onde então se faz o último ataque ao cume. Eu e Estefania decidimos fazer o “caminho normal” no acarreo, ziguezagueando e fazendo o caminho mais longo, enquanto Ana e Juan optaram pela rota mais íngreme e curta. Na metade do caminho (antes do portezuelo), a Ana, que já vinha sentindo muito frio nas mãos, resolveu abortar, Juan a acompanhou na decisão.

Eu e Estefania chegamos ao cume nos ajudando de forma mútua, física e psicologicamente. Uma camada ampla e densa de nuvens impedia que os raios de sol chegassem até a gente. Fazia um frio que para mim ainda era desconhecido, e o vento piorava (e muito) a situação. Não se passaram nem cinco minutos e já estávamos descendo, sequer assinei o livro de cume. Pronto, naquele 31/10/16 alcancei o meu primeiro 6k!

Naquela noite ainda dormimos no Abrigo Gabriela Mistral, esperando a condição de tempo melhorar, o que realmente aconteceu no dia seguinte, quando retornamos para Santiago.

Estava eu mais uma vez deslumbrado com os Andes: montanhas virgens, isoladas e altas! Ver a curvatura da Terra de cima dos 6k foi surreal. O desafio, o trabalho em grupo, o novo… Já pensava em voltar!!

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Texto escrito pelo leitor Carlos Moura.

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