Resgate

Com o crescente número de praticantes de esportes e turismo de aventura, cada vez mais vem sendo registrados acidentes nos ambientes naturais, onde estas atividades são realizadas.

É uma consequência direta do fato de mais pessoas estarem se dedicando as atividades ao ar livre (outdoor) em áreas remotas. Ou seja, em áreas afastadas dos centros urbanos, ou pelo menos de difícil acesso, pois o mesmo é feito pelas florestas, matas, rios e montanhas.

Em Joinville/SC, foi criado no início de 2012, o Grupo de Resgate em Montanha (GRM), exatamente para ajudar nas operações de busca e salvamento em áreas remotas. De lá para cá já foram realizadas inúmeras missões de resgate, e com várias vítimas salvas. Infelizmente, nem sempre é possível resgatar a pessoa com vida, transformando-se a missão de resgate em uma missão de recuperação de corpo. Até o momento, em todos os casos em que o GRM se deparou com óbitos a situação já estava consumada, e não havia mais nada a fazer, senão retirar o corpo da vítima do local do acidente, e devolver aos familiares. Para que fossem realizadas as últimas homenagens ao ente querido falecido.

Nestas missões, muitas vezes helicópteros acabam sendo utilizados para a realização do resgate. Entretanto, ao contrário do que se possa pensar, o uso de helicópteros em operações de busca e salvamento nestas regiões remotas envolve riscos extremamente elevados. Se no perímetro urbano os riscos já são elevados, em ambientes naturais estes riscos são potencializados.

Em voos urbanos, geralmente o helicóptero decola de um ponto, e segue uma rota pré-definida (plano de voo) até chegar ao seu destino, com boa margem de segurança. Em missões de resgate entretanto, a aeronave terá que fazer voos em altitudes mais baixas (vasculhando o terreno em busca da vítima), e muitas vezes por entre desfiladeiros e montanhas. Aumentando muito os riscos de um acidente.

uso de helicópteros
Aeronave ÁGUIA 01 – 2ª Companhia de Aviação da PMSC em sobrevoo na região de montanhas no Norte/SC
Imagens registradas pelo fotógrafo LUCAS SOUZA

Durante o Curso de Suporte de Operações Aéreas de que participei em setembro de 2015, ministrado pela 2ª Companhia de Aviação da Polícia Militar de Santa Catarina, foi explicado que helicópteros são considerados aeronaves de asas giratórias e que dependem da combinação de uma série de fatores para que possam voar.

Por exemplo, para que uma aeronave destas tenha condições de resgatar uma vítima que esteja machucada em uma aresta montanhosa, todos estes fatores terão que ser favoráveis. Do contrário, ou a missão terá que ser abortada, ou será executada com altíssimos riscos para a tripulação, e para a própria vítima.

Fatores como temperatura, pressão atmosférica, umidade do ar, velocidade do vento, quantidade de combustível disponível (geralmente as aeronaves operam com apenas cerca de 60% da capacidade total do tanque de combustível, para diminuir o peso, e ganhar desempenho), tem enorme influência no desempenho do helicóptero.

Aeronave ÁGUIA 01 – 2ª Companhia de Aviação da PMSC em sobrevoo na região de Garuva-Joinville no Norte/SC
Imagens registradas pelo fotógrafo LUCAS SOUZA

As melhores condições para um voo seguro são encontradas em dias frios e secos. Tempo quente, úmido, e em altitudes elevadas, podem acarretar dificuldades muitas vezes insuperáveis. Ainda mais se somada a instabilidade das correntes de ar que podem gerar graves turbulências.

Durante a Operação CARRANCA, da Força Aérea Brasileira (FAB), realizada em Florianópolis/SC, da qual participei como observador juntamente com a equipe do Grupo de Resgate em Montanha de Joinville/SC (GRM), nos anos de 2015 e 2016, foi esclarecido pelos militares do SISSAR-FAB (Sistema de Busca e Salvamento da FAB), que mesmo em condições CAVOK – Ceiling And Visibility OK (expressão da aviação militar, que significa “teto e visibilidade ok” – condições propícias para voos), uma operação de busca e salvamento em região montanhosa ou de mata, nunca será tarefa fácil.

Helicóptero H-36 Caracal, em missão de resgate durante a Operação CARRANCA/2016 e equipe do GRM e FAB (foto arquivo pessoal do autor)

O helicóptero pode ser facilmente desestabilizado por uma simples rajada de vento, por um rapel mal realizado (que gere um efeito pendular – para baixo dos esquis de pouso) pelo membro da equipe ao sair da aeronave para chegar até a vítima, ou pelo simples acréscimo de peso dentro da aeronave, com a entrada da vítima.

Membros do Grupo de Resgate em Montanha-GRM em operação com os parceiros da Aeronave ÁGUIA 01 PMSC
(foto arquivo pessoal do autor)

No Brasil, são raríssimos os casos de resgates noturnos, com o emprego de helicópteros.  Pois isso exige também equipamentos de visão noturna (Night Vision Goggles – NVG). Ao que se sabe, no momento, apenas a Força Aérea Brasileira (FAB) possui esta plena capacidade operacional, especialmente para uso em missões de resgate de combate (CSAR – Combat Search and Rescue).

Tendo realizado seu primeiro resgate noturno sobre águas, em fevereiro de 2015, executado pelo Esquadrão Falcão, pilotando helicópteros H-36 Caracal (FAB realiza resgate noturno sobre a água pela primeira vez)

Visão interna da cabine usando óculos de visão noturna.

Significa que, se o acionamento dos órgãos públicos ocorrer no final da tarde, ou início da noite, provavelmente será preciso esperar até o amanhecer. Para que só então o helicóptero possa partir para a missão de resgate, em ambiente natural.

Isto para evitar o que se convencionou chamar de “Período Crítico Crepuscular. Porque, o uso destes equipamentos de visão noturna, traz também alguns riscos, conforme melhor esclarecido pelo Major de Infantaria Ronaldo Diniz, que elaborou o estudo denominado de “O PERÍODO CRÍTICO CREPUSCULAR E A CONTINUIDADE DAS OPERAÇÕES COM HELICÓPTEROS” (disponível em Revista Pegasus), do qual são abaixo reproduzidos trechos de maior interesse para este texto:

“…Os OVN possuem duas funções extremamente importantes para o seu funcionamento: o Controle Automático de Brilho (ABC – sigla em inglês) e a de Proteção Contra Iluminação Intensa (PMC – sigla em ingês).

A primeira garante que em um ambiente com grande iluminação os óculos ajustem o brilho da imagem para garantir a melhor visualização dos contrastes. Obviamente, esse recurso tem um limite e é aí que reside a importância da segunda função, ou seja, proteger o equipamento quando este for exposto a um ambiente excessivamente iluminado. Esses dois mecanismos, fazem com que os óculos ao serem expostos a tais ambientes percam a capacidade de fornecer uma imagem clara do terreno e dos obstáculos, chegando a obscurecer a visão externa do tripulante.

Esse fenômeno pode ocorrer após o por do sol ou antes do nascer do sol, quando o sol provê iluminação residual capaz de influenciar o sistema de controle de brilho dos OVN (AN/AVS-6 e AN/AVS-9), impedindo o seu uso e, ao mesmo tempo, fornecendo pouca iluminação residual capaz de permitir ao olho humano identificar detalhes importantes do terreno ou do inimigo, interferindo sobremaneira na continuidade da missão aeromóvel, o chamado Período Crítico Crepuscular…”

Blackhawk norte-americano em patrulha no período do amanhecer.

Ao público em geral, em regra, não são fornecidos dados sobre acidentes aéreos envolvendo helicópteros militares, ou dos órgãos de segurança pública. Pois praticamente toda a investigação, por questões de segurança nacional, é mantida em sigilo.

Quando muito, as notícias que se dispõe sobre acidentes relacionados a helicópteros que estavam em missões de resgate, são apenas aquelas veiculadas pela mídia. Que também não fornecem maiores detalhes.

Se bem que, de acordo com dados de 2015 do CENTRO DE INVESTIGAÇÃO E PREVENÇÃO DE ACIDENTES AERONÁUTICOS (CENIPA) da Força Aérea Brasileira (FAB), atualmente, os acidentes com helicópteros correspondem apenas a 16,6% de todos os acidentes aéreos. Os demais acidentes são, em regra, de aviões particulares (matéria do VALOR ECONÔMICO de 2015).

Como por meio do telefone celular-móvel, geralmente se consegue sinal mesmo em regiões remotas, os visitantes destas áreas de difícil acesso, muitas vezes, tem a falsa impressão de que, se tiverem algum problema, basta acionar as centrais de operação da polícia ou bombeiros. Que, imediatamente, será despachado um helicóptero para a remoção das vítimas.

Quando a realidade é bem diferente, porque antes de ser autorizado o resgate com o emprego do helicóptero, a tripulação fará uma análise minuciosa de todo o contexto. Para só então tomar a decisão pela realização, ou não, do resgate.

Outro fator a ser levado em consideração ao se optar por um resgate aéreo, com o emprego de um helicóptero, é a falta de equipes (militares ou civis) bem treinadas, e em número suficiente, para a realização de um resgate em região de montanha ou floresta.

Resgates em áreas remotas, na maioria das vezes, exigem a mobilização de grandes contingentes, que precisam estar mental, e fisicamente preparados para o resgate em ambientes naturais.

Em contatos que tenho mantido com equipes de vários estados do Brasil, a realidade é a de que, muitas vezes, os agentes públicos que são acionados para o resgate nestes ambientes, não foram adequadamente preparados para essas missões. Porque, em regra, o foco dos treinamentos é mais voltado para resgates urbanos, dentre os quais: acidentes de trânsito, combate a incêndio, enchentes, estruturas colapsadas.

Para agravar a situação, o número de agentes públicos (militares ou civis) é insuficiente. Significando que, para que equipes sejam despachadas para se engajar em uma operação de busca e salvamento, por exemplo, em uma área de montanha, a unidade dessa equipe na cidade terá que ficar temporariamente inoperante. Pois praticamente todo o contingente terá que ser deslocado para este resgate. E mais, ao final da missão, alguns dos agentes que participaram do resgate precisam ficar uns dias de licença, para se recuperarem do esforço exigido na operação.

Esta situação, obviamente, não é culpa dos agentes públicos que participaram do resgate, e sim um problema do sistema como um todo que não disponibiliza mais recursos financeiros, que seriam necessários para criar uma melhor estrutura para a realização destas missões.

Ou seja, este fator (falta de contingente e não capacitação adequada para este tipo de resgate especializado) também induz o Comando de Operações a solicitar resgates aéreos com mais frequência. Porque, se tudo correr como o planejado, a missão de resgate aéreo estará encerrada em um curto espaço de tempo. Sendo que, se fossem acionadas equipes de resgate terrestre, eventualmente a operação toda levaria muitas vezes mais de um dia.

Finalizando, certamente helicópteros são máquinas fantásticas capacitadas para estes tipos de resgate em ambientes remotos, especialmente porque seus pilotos são altamente qualificados. Mas, jamais se deve desconsiderar os grandes riscos que são inerentes a estes resgates aéreos.

Os praticantes de esportes e turismos de aventura, assim como todos aqueles que visitam áreas em ambientes naturais, precisam ter ciência destes riscos. De maneira a que zelem pela segurança na atividade ao ar livre, evitando a necessidade de um resgate aéreo.


Autor dos post:

Sérgio Netto

Membro-fundador do Grupo de Resgate em Montanha (GRM)

Membro-fundador do Rastreamento Humano

Autor dos seguintes livros:

1) Manual de Rastreamento Humano em Operações de Busca e Salvamento Terrestre

2) A influência do comportamento da vítima nas operações de busca e salvamento

3) Manual de Rastreamento de Combate (A vantagem humana)

4) Origens da Arte-Ciência do Rastreamento

Para mais informações:

humanorastreamento@gmail.com

https://www.facebook.com/Rastreamento-Humano-917881421677686/

https://www.youtube.com/channel/UCLkBk97UkJgJlrA1X9mNJeQ

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3 thoughts on “O uso de helicópteros em missões de resgate em áreas remotas

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